A INGLESA – SÉRIE
Com pistoleiros rápidos no gatilho, visuais altamente estilosos e personagens divertidamente excêntricos, há uma clara camada do típico mito do Velho Oeste em A Inglesa. Porém, a minissérie se revela algo muito mais sério e profundo, permitindo que a dureza e o sofrimento da condição humana sejam sobrepostos ao espetáculo das incríveis paisagens e das sangrentas cenas de ação. Para completar, há ainda um tenro e trágico romance no centro da trama, fazendo da produção uma complexa colcha de retalhos composta pelas lendas e pelas realidades do Oeste Selvagem.
O título original da minissérie, The English, faz referência não apenas à protagonista Cornelia Locke (Emily Blunt) mas também aos vários personagens ingleses (ou europeus em geral) que levam sonhos, coragem, violência e doenças para as Altas Planícies dos EUA nas últimas décadas do Século 19. O outro protagonista, Eli Whipp (Chaske Spencer), um nativo americano que serviu no exército dos EUA, vê pouca diferença entre eles, sabendo que estão todos ali para tomar a terra que já estava há alguns milênios ocupada por seu povo e por seus ancestrais.
Esses “ingleses selvagens” estão soltos no Velho Oeste matando índios e uns aos outros, sempre em busca de mais riquezas e de mais terras. A perversidade de alguns desses homens é encarnada no vilão David Melmont (Rafe Spall), um personagem que tem pouco tempo de tela mas cuja nefasta influência é sentida durante toda a trama. A maldade e a violência sem sentido que emanam dele poderiam até ser consideradas caricatas, não fosse pelo fato de que suas ações refletem os tipos de eventos que realmente ocorreram durante os vários genocídios de povos indígenas no Novo Mundo.
É nesse contexto desolador que os caminhos de Eli e Cornelia se cruzam, dando início a uma parceria que se transforma em uma amizade e evolui para um romance. Enquanto ela foi para os EUA em busca de vingança pela morte do filho, ele está cruzando o deserto americano em busca de um pedaço de terra que lhe foi prometido pelo governo, apesar de ser alertado de que as autoridades não têm o costume de cumprir as promessas feitas aos povos nativos.
Porém, quando Eli e Cornelia encontram um ao outro, a verdadeira natureza de suas jornadas é revelada. A busca deles não é por vingança, ou por terras, ou por recomeços ou redenção. Diante de tudo o que sofreram e de tudo o que perderam, eles precisam apenas de algum motivo para seguir em frente e continuar vivendo. É isso o que eles encontram um no outro e é isso o que abre seus olhos para outras possibilidades além daquelas que eles já conheciam. Para ela, o encontro entre eles é um sinal da “mágica” presente no Universo.
As grandes tragédias de A Inglesa estão nas muitas vidas e nos muitos amores não vividos, interrompidos tanto pela morte precoce quanto pela maldade de alguns homens. Isso vale não apenas para os protagonistas, mas também para vários dos personagens que cruzam seus caminhos. A trama evidencia os vários tipos de pessoa que poderiam ser encontradas naquele deserto, das mais perversas às mais amorosas, e das mais honradas às mais traiçoeiras.
O lado mais trágico e brutal da trama lembra produções como The Nightingale e 1883, refletindo a impiedade daquelas pessoas e daquele ambiente. Assim como em 1883, a realidade mostrada em A Inglesa evidencia que o deserto americano poderia ser um verdadeiro paraíso ou um verdadeiro inferno, a depender das pessoas que chegavam e se assentavam nele. E enquanto alguns ingênuos colonos iam para lá em busca de uma “terra prometida”, as populações indígenas tentavam sobreviver aos invasores que se consideravam no direito de ocupar o local onde nasceram.
O último dos seis episódios de A Inglesa é muito menos um grande e climático confronto e muito mais a emocionante conclusão de um drama visceral marcado por várias tragédias. Isso contrasta com os visuais tão belos quanto pinturas ou tão estilosos quanto histórias em quadrinhos, ajudando a contrapor as fantasias de violência com a brutal realidade daquela época naquele lugar. Com essa obra, o roteirista e diretor Hugo Blick homenageia o gênero do faroeste enquanto revela parte dos horrores por trás das clássicas histórias de bang bang.