Falando de um protesto à altura…

 Falando de um protesto à altura…

Na coluna diária que assinava em “O Norte”, escrevi sobre a entrevista que um amigo me concedeu, expoente do movimento sindical, em um lugar no minimo curioso: do alto do telhado do prédio da prefeitura, de onde defendia os direitos do funcionalismo municipal. Muitos se recordam do episódio. A imprensa e o povo guardaram território no Paço e de lá não arredaram pé. Tudo muito inusitado.

A televisão repercutia o ato: apoiadores enviando para o protestante água, comida, frutas, produtos de higiene pessoal, através de uma engenhoca – um balde amarrado a uma corda que faziam subir com os mantimentos e recebiam de volta com lixo.

Os dias se arrastavam e nada de um acordo com o executivo. O sindicalista no telhado da prefeitura já não chamava tanto a atenção. Por fim, a imprensa e o povo arredaram pé do Paço.

Eu não. Fiquei. Era a oportunidade de escalar o telhado e entrevistar o amigo. Foi o que fiz. Ele me recebeu com o alerta de que tomasse cuidado com as telhas de amianto, finas e frágeis. De fato. Daquele mesmo local, tempos depois, um amigo em comum, também jornalista, morreria ao cair em queda livre até o saguão da prefeitura, após as telhas cederem ao seu peso. Uma tragédia que nos chocou a todos.

Procurei lugar menos perigoso. Quis saber como era ficar ali, sozinho e, pior, frustrado com os resultados de seu clamor. E a questão psicológica, como estaria? Como se adaptar a um espaço que, além de perigoso, não ofereceria a menor condição para atendê-lo nas suas necessidades fisiológicas? E as fezes? Manda no balde, lá pra baixo? Ele me respondeu que não, apontando para uma série de baldes a poucos metros. “Estão sendo reunidas naqueles baldes. Vou transformar tudo em adubo para hortaliças”.

No dia seguinte publiquei nossa conversa numa matéria e comentei seus bastidores na coluna. Nesta, de forma humorada, observei que o amigo estaria de fato com o juízo em dia. Apesar da exaustão, do sacrifício mental e físico pela causa e por tanto tempo, ele estaria bem, mas a tal história do adubo para hortaliças me deixou incomodado. E terminei a coluna dizendo que a mim parecia que o amigo já estava com um pouquinho de merda na cabeça. Ele certamente não deve ter gostado nem um pouco do trocadilho, mas nem por isso rompeu nossas relações de amizade. Somos bons amigos. Até hoje.

 

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